20 de agosto de 2010

Icaraí

A praia já não é a mesma há muitos anos. A água é poluída, embora as autoridades digam em contrário. O trampolim foi demolido e já não se veem partidas de bola pesada disputadas entre os coroas.

A avenida litorânea mudou de nome, perdeu o nome indígena da praia, e as casas térreas desaparecerem, dando lugar aos edifícios.

As meninas já não desfilam no calçadão, nos finais de tarde, princípio de noite, para serem paqueradas pelos lambreteiros.

Roberto Durão pegava emprestado com o pai o enorme Packard, e ficávamos queimando gasolina, andando vagarosamente junto à calçada, na vã tentativa de conquistar algumas meninas de pele dourado do sol. É porque nós tínhamos também as nossas Garotas de Icaraí.

Devo salientar que o calçadão não existia. O que havia era uma calçada de dimensões normais, mais tarde alargada, e que ganhou, em pequeno trecho, a ciclovia.

Lambreteiros também não mais existem. E, acreditem, Elvis morreu mesmo.

Faziamos “vaquinha” para abastecer o beberão do Packard, que tinha oito cilindros em V, e terminávamos a noite de sábado, quase que invariavelmente, comendo uma pizza brotinho na Gruta de Capri.

Bons tempos.

Icaraí ainda é, disparado, o melhor bairro da cidade para se morar, não obstante o descaso das autoridades com a desordem urbana que vem grassando em suas ruas. São camelôs que obstruem as calçadas e as emporcalham, são pedintes, calçadas esburacadas e outras mazelas.

O trânsito, santo deus!, ficou caótico. Imagina se hoje seria possível transitar vagarosamente, quase que acompanhando as meninas que desfilavam a pé pela calçada da praia.

Uma das coisas mais admiradas pelos moradores do bairro, é que lá se encontra de tudo. Não é necessário se deslocar para outros pontos da cidade para comprar de um tudo.

O que é tido como virtude, vai se transformar, não demora, num enorme problema, que vai descaracterizar o bairro como residencial.

O comércio vem tomando conta das casas ainda existentes no miolo, no quadrilátero entre a praia propriamente dita, e a Av. Roberto Silveira, paralelas maiores, e as laterais formadas pela rua Miguel de Frias e Av. Ari Parreiras.

Prédios comercias estão sendo levantados, shoppings e centros de compras e prestação de serviços surgem a cada dia.

Todavia, isto é assustador, pois os habitantes do bairro estarão expulsos não demora.

Lembro que há alguns anos, num domingo ainda muito cedo, pois já atingira a idade de não pegar muito sol, estava sentado na minha cadeirinha apreciando o mar e vendo um desfilar de ambulantes oferecendo de tudo: bronzeadores, cerveja, chapéu de palha, água mineral, coco, biscoito e coisas do gênero. Eram tantos que passavam apregoando seus produtos, e tão poucos os banhistas já presentes, que me ocorreu a seguinte situação: os vendedores deveriam escolher um ponto, pousar suas traquitanas e guloseimas sobre a areia, e ali ficarem fixos, enquanto os poucos banhistas que éramos, passearíamos pela praia gritando: consumidor, consumidor, olha o consumidor aí!

Sim porque éramos uma minoria diante daquele batalhão de ambulantes. E fazia mais sentido que nós fossemos os caminhantes pois pelo menos não portávamos tanto peso.

Imaginem caminhar na areia, que força muito a musculatura da perna, e já começando a esquentar, carregando aqueles isopores cheios de refrigerantes, latas de cerveja e picolés.

Bem, é mais ou menos assim que vejo o futuro de Icaraí, o bairro. Só prédios comerciais, e consumidores, moradores ou não da região, percorrendo as ruas em busca de produtos e serviços.

Pena.

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