11 de maio de 2010

Peladas

As peladas do título não são as mulheres desnudas. Afinal este é um blog família, e as crianças estão na sala.
Quero falar das partidas de futebol entre amadores, disputadas em campos improvisados. Elas são a mais pura e genuína expressão do jogo de futebol. Solidário, alegre e solto. Bom modelo de vida em sociedade.

E as peladas autênticas, que são as que não têm qualquer formalidade, são as melhores. Os jogos, minimamente estruturados que sejam, entre solteiros e casados de uma firma ou as disputas intercolegiais, têm características de pelada mas não são autênticas, porque envolvem, em geral, uso de uniformes, chuteiras ou tenis, exigem a presença de árbitro e têm tempo de jogo cronometrado. Nada disso existe na verdadeira pelada.

Nelas, os times são escolhidos na hora, entre os presentes no campo. Campo? Bem, um terreno baldio qualquer, nem sempre de dimensões regulares. Os dois jogadores reputados como os melhores, e todos os presentes sabem quem são, pois são geralmente os mesmos participantes, escolhem, um a um, alternadamente, depois de um par ou impar, para ver quem será o primeiro, as duas equipes. Óbvio que o critério é o da qualificação, da habilidade para jogar. É claro que os melhores vão sendo escolhidos primeiro, ora para uma equipe, ora para a outra. Esta sistemática confere um certo equilíbrio de forças entre os dois times. E a disputa da partida fica melhor.

Alternativamente, ao invés da formação das equipes ser decidida pelos dois mais hábeis jogadores, a tarefa fica com os dois piores jogadores, que em geral serão os goleiros. E o resultado final não discrepa, eis que o critério de escolha alternada, vai privilegiar os melhores, numa ordem descrescente de mérito, até que os times estejam completos, ou que não haja mais ninguém para jogar naquele momento. Se as equipes se completam, com onze de cada lado, quem sobrar sobrou. É a pena que devem pagar os sem preparo técnico ou determinação. E fica na espera para entrar no jogo, até que alguém tenha que sair. Se as equipes não estão completas e chega alguém atrasado, deverá esperar que chegue um outro, para que seja possível entrar um para cada lado e manter o equilíbrio de forças.

Nada de uniformes; quando muito um time joga com camisas (as que trazem vestidas) e o outro sem camisa. Todos descalços. Juiz? Nem pensar. As decisões são tomadas em consenso. Como os campos muitas vezes não têm qualquer tipo de marcação de seus limites, a bola saiu (está fora de jogo), ou não, por decisão da maioria.

Pode acontecer controvérsia e discussão, quando, por não haver travessão superior, apenas duas balizas, é necessário definir se vale o gol ou não, dependendo da altura em que a bola transpasse a linha imaginária, no espaço delimitado apenas pelas traves verticais. O critério da altura para que o gol seja validado, é o de fazer a estimativa da altura máxima atingida pelo goleiro num salto vertical. Se com este salto o goleiro fosse capaz de alcançar a bola, então o gol é válido. Ora, se o goleiro é muito baixinho, não valerá como gol uma bola que trasponha a linha numa altura que, embora pequena, esteja fora do alcance de suas mãos, quando saltando. Se eventualmente o goleiro fosse maior, talvez aquela bola, naquela altura, fosse tida como gol. É a decisão diferenciada em face das circunstâncias. E todo mundo acata.

As faltas, sejam as de jogadas mais violentas, sejam as de colocação da mão na bola, são decididas no grito. Se alguém grita “parou!”, para mesmo. Quem sofreu, afirma que foi atingido e machucou. O autor da falta nega. Mas outra vez o consenso decide. Não há violência explícita. Não há má-fé. O adversário de hoje, amanhã poderá estar no seu time. Depende do par ou impar.
A pelada é alegre e franca. A partida é disputada pelo puro prazer que proporciona. Não há cobrança de torcida. Quando muito, haverá gozação com a vítima de uma finta mais humilhante, ou de um frango do goleiro.

A pelada tem suas caracteristicas. Uma delas, pertinente, é a de que não há jogador em impedimento. Todos podem jogar e fazer gols em qualquer situação. Como não há juiz, não há tempo controlado. As partidas terminam quando uma das equipes atinge o número de gols previamente estabelecio. Assim, depois da escolha das equipes, é decidido que a partida será de dez, virando em cinco. Ou seja, quando um time fizer dez gols, a pelada acabou. Atingido o quinto gol, mudam de lado, para que os defeitos do campo, a posição do sol e a força do vento não prejudique uma só equipe.

Ninguém beija a camisa após um gol. Não há mercenarismo. Não há patrocínio. Não há dirigente. Este é o grande segredo do sucesso das peladas. Não há dirigentes. Já imaginaram um mundo onde não há espaço para Ahmadinejads, Saddans e Osamas; Chaves, Morales ou Bushs? Os participantes decidem e controlam eles mesmos o que vale e o que não vale. A pelada é democrática e liberal: o mérito individual tem peso; há alternância de poder e equilíbrio de forças, pois as equipes não têm sempre as mesmas constituições; e as decisões são tomadas pela maioria. Tudo com e pelo prazer.

N do A: Estas memórias são fruto da infância vivida na Rua São Diogo, na Ponta d'Areia. Hoje esta rua é asfaltada e nela transitam ônibus. Na década de 40 e  início dos anos 50, por ela passavam um ou dois carros, por dia. Os verbos deveriam, pois, estar no passado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário