1 de maio de 2010

Filhos e pais

Se os filhos soubessem a falta que o pai vai lhes fazer, quando o mesmo morrer, tratariam-no à “pires de leite como se fosse uma úlcera.”

Peço licença ao Nelson Rodrigues para usar sua metáfora, aplicando-a nesta abordagem, à falta de outra, de cunho próprio, que desse uma idéia do quanto os filhos, devem valorizar a importância dos pais.

E irão se arrepender por não terem tido um convívio mais próximo, por não terem desfrutado mais, quando era possível, a amizade e a lealdade daquele que com toda a certeza foi seu melhor amigo.

A perda do pai é uma dor que custa muito a ser anestesiada e produz uma saudade que se não é contínua, é intermitente e infinita. E não é “enquanto dura”, é e como dura.

Estou falando de filhos e pais emocionalmente equilibrados, socialmente ajustados e que se amam.

Pai que atira a filha pela janela, ou filha que mancomunada com o namorado mata os pais a porretadas, são animais irracionais, bichos peçonhentos, absolutamente selvagens, não podendo portanto conviver em sociedade humana. Estes e outros animais que povoam as páginas policiais não se encaixam nesta minha digressão sobre respeito e amor filial e paternal.

A saudade a que me refiro vem quando menos se espera, de forma inopinada, mas com mais força nos momentos de nossos êxitos, quando gostaríamos de com ele compartilhar, e também nos momentos de aflição, sabendo que poderíamos contar com um ombro amigo e uma palavra de esperança e conforto.

Colocando-me como referência, no papel de pai e também no de filho, de coração aberto, o que somente o ter alcançado a idade provecta permite fazer com isenção e clareza, afirmo que tanto num quanto noutro papel, sinto-me e me senti realizado e feliz. Sou um privilegiado.

Em relação aos meus filhos, mais do que com recomendações, advertências, conselhos ou ensinamentos, penso que me desincumbi com exemplos. E eles deram certo. Como homens de caráter, responsáveis e respeitados, e amorosos.

Com meu pai, noutra época e outros costumes, a relação foi sempre muito mais de respeito do que de afeto. Havia um certo distanciamento. Os pais se colocavam, pois era a cultura da época, num nível acima.

Mas com o tempo, me dei conta do quanto ele me amava, e que as restrições e castigos impostos, que me aborreciam, eram fruto de cuidado e amor.

Sem contar, o que mais tarde enxerguei com nitidez, o orgulho que ele sentia de mim, sem que eu tenha dado motivos relevantes para tal. Mas seu amor era tão grande, que mesmo pequenos detalhes, coisas sem expressão maior, eram motivo de alegria e orgulho.

Dou como exemplo um fato banal, quase bizarro. Prestei a maior parte de meu serviço militar na 2ª Circunscrição de Recrutamento, unidade, digamos, burocrática do Exército.

Certa feita, num dos corredores, parei para prestar continência ao General Comandante da Infantaria Divisionária da 1ª Divisão de Infantaria, do I Exército (que título, hein !?) que estava em visita àquela repartição.

O general parou diante de mim, e de forma muito educada, diria mesmo cordial*, disse-me que a continência estava errada e, ato contínuo, pegando minha mão que levara ao bibico**, posicionou-a corretamente.

Eu colocara a mão quase na frente do casquete***, quando o correto, segundo ele, seria bem na lateral, na têmpora. Minha maneira, copiara a de um oficial protagonista de um filme de guerra americano. Errada para nossos padrões.

Este episódio, que relatei em casa, foi comentado com ele, ao me apresentar a amigos, numa oportunidade em que fui ao seu local de trabalho.

Vejam o que quero dizer. Uma coisa tola, sem maior expressão, ficou para o meu pai como um fato de dar-lhe orgulho. O general, em pessoa, corrige a prestação de continência de seu filho.

Só um pai muito amoroso, muito orgulhoso registraria aquele acontecimento como coisa significativa. E eu, ao contrário, achando que ele se comportara como um tolo,  não dei o devido valor ao fato, percebendo que nele se continha um prova de orgulho e afeto.  

Estas e outras lembranças, que hoje valorizo, e o vazio no coração, dão-me, com freqüência, uma enorme saudade dele, mesmo passados 47 anos de sua morte.

Não sei se consegui passar a idéia que faço da importância do convívio entre pais e filhos. Mas estou convicto de que este convívio deve ser explorado o quanto possível, em proveito recíproco. Mais tarde restará saudade.


* Na 2ª CR, serviam os soldados que tinham pistolão. Eram, em geral, como no meu caso (primo de oficial), parentes de oficiais graduados. Era necessário ter o ginasial completo, pelo menos.


** o mesmo que casquete


*** casquete é um chapéu, usado por soldados, reto em cima, fazendo dois bicos, um à frente e outro atrás.

Nenhum comentário:

Postar um comentário