1 de março de 2010

Jazz e adjacências

Você já ouviu falar de Cedar Walton? O mais provável é que sua resposta seja negativa.

Se, todavia, além de saber quem é o que faz Cedar Walton, para me surpreender, só falta você ter lido a biografia do Louis Armstrong, de autoria de James Lincoln Collier, publicada em 1988, pela editora Globo. Neste caso não perca seu tempo lendo este texto, pois você sabe muito mais do que seria capaz de ficar sabendo aqui.

Quanto a biografia do Satchmo, imagino que no Brasil apenas três pessoas a leram: o editor, o Luis Fernando Veríssimo, que fez o prefácio, e eu. Eu, porque a ganhei de meu filho, não poderia deixar de faze-lo. Mas não recomendo a ninguém, Trata-se de uma obra enfadonha, que em nada enobrece, dignifica ou aumenta o valor do grande trompetista e cantor, responsável pela difusão, mundo afora, da música americana e, por extensão, do jazz.

Voltando ao Cedar Walton, ele é o pianista que acompanha Etta James no álbum Mystery Lady, através do qual ela presta homenagem a magnífica Billie Holiday. Se por um lado não recomendei a biografia do Armstrong, por outro recomendo este disco da Etta James.

Vou explicar o que tem uma coisa a ver com a outra. Embora existam controvérsias, acho que tenho um bom ouvido musical. Não que isto me qualifique como executor de qualquer instrumento. O que quero dizer é sou capaz de perceber e destacar, numa banda ou orquestra, o som de um ou outro instrumento. Isto é involuntário, ocorre naturalmente. Basta que o som me agrade.

O maior exemplo disto ocorreu com McCoy Tyner. Eu ouvia um ótimo CD do John Coltrane, intitulado Ballads, que também recomendo - e aqui faço um parêntesis para dizer que, diversamente do que escrevi acima, sobre aqueles que nada aprenderão aqui, se você não ouviu ainda este disco do Coltrane, então você está muito atrasado e aqui ficará sabendo de muitas coisas, mas na verdade os lugares ideais para você são o Google e afins – e as intervenções do piano chamaram minha atenção. Intervenções muito oportunas, preenchendo os intervalos do som do sax, contidas como devem ser quando se trata de acompanhamento, mas extremamente agradáveis aos ouvidos.

Assim que pude fui a uma loja que tinha um acervo bem eclético no setor de jazz, localizada na Rua da Assembléia, e procurei por algum trabalho do MacCoy Tyner como solista. Engraçado é que o vendedor, antigo na loja, cujo nome lamentavelmente não me ocorre, e que faleceu há uns poucos anos, perguntou-me, antes de mais nada, de onde eu conhecia o MacCoy. Ele estranhou o fato de eu entrar na loja já perguntando pelo pianista, o que fiquei sabendo por ele, era fato inusitado. Bem, expliquei o negócio do CD do John Coltrane e a resposta pareceu agradar.

Enfim, tinha um CD do Tyner, que obviamente comprei, intitulado "Plays Duke Ellington".  Nele o Tyner executa obras de autoria de, óbvio, Duke Ellington, outro ícone do jazz, seja como compositor, seja como pianista, seja como bandleader.

O maior de todos os exemplos de pianistas que são ou foram a um só tempo grandes acompanhantes e têm vitoriosa carreira como solistas, em obras pessoais, é o Oscar Peterson.

Quem conhece os álbuns gravados, em estúdio (foram apenas 3), por Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, sabe do que estou falando. Nestes discos, Oscar Peterson, que é um virtuoso, fez um trabalho de acompanhamento maravilhoso, pontuando parcimoniosamente, como deve ser, o trabalho dos dois grandes artistas principais dos discos: Ella and Louis (que vem a ser o título de um dos mencionados discos da dupla).

A obra do Peterson com seu próprio trio é muito vasta. As duas faixas mais deliciosas de ouvir, a meu juízo, são “My One and Only Love” e ‘You Look Good to Me”, ambas encontráveis no disco We Get Requests.

Fecho este post com o comentário de que quase todos os grandes pianistas de jazz, nos anos 40, 50 e 60, absorveram o estilo de Art Tatum, que criou uma escola bem característica, cheia de floreios, que certamente seria recriminada pelo imperador Joseph II, da Áustria, sob a alegação de que o trabalho teria um demasiado número de notas. Ou, em inglês, como no filme Amadeus, sobre a vida e a obra de Mozart: “Your work is ingenious. It's quality work. And there are simply too many notes, that's all. Just cut a few and it will be perfect”.*

Realmente, se você pegar um disco gravado pelo Tatum e sacudir, vai cair um monte de notas supérfluas. Mas que demonstram uma técnica incrível. Uma fluência, uma agilidade incomparável.

* A reprodução deste comentário é uma homenagem ao meu filho Ricardo, que achou graça,  pelo absurdo, do comentário do imperador: "There are too many notes”. Esta frase foi proferida pelo Joseph II, com o apoio do Salieri, a respeito da ópera Seraglio, composta por Mozart, sempre segundo o filme Amadeus.

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