17 de março de 2010

Camelôs

Pior do que perder a capacidade de se indignar; pior do que não reagir, exigindo medidas objetivas, contra a violência que hoje impera; pior do que se omitir quando há oportunidade de agir a favor da justiça e da legalidade; pior do que tudo é aceitar como sendo sensato, inteligente e oportuno, que é melhor um delito do que o outro. Que se deve aceitar uma contravenção porque poderia ser pior. Isto é duro de engolir.

Maluf, quando governador de São Paulo, teve, entre tantos, um especial problema na área de segurança. Um estuprador matava suas vítimas depois do abuso sexual. O que recomendou o governador, pedindo com veemência, aos delinqüentes do gênero: estupra, mas não mata.

No outro dia repetiu-se uma cena já comum nos noticiários: ação da polícia ou guarda municipal, contra os ambulantes. Pois muito bem: o repórter, despreparado e equivocado quanto ao seu papel, entrevistando um dos ambulantes, que se considerava vítima da ação dos policiais, disse para o citado camelô – pelo menos você não está roubando, não é mesmo?

Bem, roubando o camelô não estava mesmo. Mas estava, ou poderia estar, cometendo uma enorme gama de outros delitos. Não é segredo para ninguém que boa parte das mercadorias vendidas nas ruas são contrabandeadas. Um crime. Os ambulantes não pagam impostos. Com isto, perdemos todos. Principalmente os mais carentes. É, em tese, com a arrecadação de impostos que os governos desenvolvem (ou deveriam) seus programas sociais.

Pode ser, e é bem provável, que os ambulantes, alguns, vendam também mercadorias roubadas ou furtadas. São inúmeros os roubos de cargas, nas estradas. E esta mercadoria é entregue ao mercado através de camelôs.

Comerciantes estabelecidos, e que pagam impostos (a maioria) e oferecem empregos formais, são duramente prejudicados pelos ambulantes, que fazem uma concorrência desleal, eis que não pagando impostos e trabalhando com contrabando e artigos roubados podem vender mais barato.

Lojas fechadas, representam desemprego e menor oferta de trabalho.

A sujeira que os ambulantes fazem nas ruas também é outro ponto nocivo. São toneladas de lixo a cada dia, que precisam ser retirados. Os restos, principalmente de comestíveis, frutas, biscoitos e tudo o mais, servem de alimentação para os ratos, que já não são poucos nos centros urbanos.

E o trânsito pelas calçadas? Fica um horror, porque eles ocupam os espaços dos pedestres. Ouvi, recentemente, um comentário muito pertinente de uma senhora que disse que teria que aprender, depois de certa idade, a andar de lado, como os caranguejos, pois era a única maneira de poder andar pelas calçadas, no estreito corredor entre os tabuleiros e barracas dos camelôs e as paredes dos prédios. Isto quando os tabuleiros não estão dispostos junto ao meio-fio e também junto aos prédios comerciais, deixando uma estreita faixa para os transeuntes. Só andando de lado mesmo.

A economia informal é considerada solução, porque pior seria o desemprego. Não concordo. A solução é mudar as leis trabalhistas e a política de impostos para incentivar a geração de emprego com carteira assinada.

E a manifestação do povo, quando da ação dos policiais é, como regra geral, de apoio aos camelôs: - tadinho, está trabalhando. Ou ainda, que pecado, o cara tá ganhando o dele honestamente. Não consigo aceitar discursos e posturas hipócritas. São as mesmas pessoas que reclamam que o transporte é ineficiente e caro, que as ruas são sujas e esburacadas, que faltam vagas nas escolas e os hospitais não têm leitos e profissionais para atender a todos com dignidade. Os ambulantes não contribuem em nada para ajudar a melhorar este estado de coisas, antes pelo contrário.

Se todos deixassem de comprar mercadorias em ambulantes, sob qualquer circunstância, eles não se propagariam como uma praga.

Mas enquanto acharem que é melhor vender contrabando ou mercadoria roubada, do que assaltar, então estamos mesmo resignados com nossa sorte.

Um comentário:

  1. Muito bem colocado. É o mesmo que aceitar o "rouba mas faz"...tão clássico na realidade política do Brasil. "Tadinho do deputado, tá levando o dele (quer dizer, o nosso), mas pelo menos reformou uma escolinha...". Além de hipocrisia, é uma brutal inversão de valores e conceitos.

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